A pedido do artista Cesar Fujimoto redigi o seguinte depoimento sobre o processo de curadoria da exposição "Heranças do Japão":
Agora, olhando pra trás o que dá pra contar é que a proposta de montar a exposição veio das minhas professoras de japonês (Fumiko Takasu e Emiko Suzuki), que estavam responsáveis por organizar o evento de comemoração do centenário. Na primeira conversa, eu entendi que elas queriam ajuda na produção e montagem e que não havia uma preocupação com a curadoria. E então a minha contra proposta foi a de fazer a curadoria da exposição.
Chamei a Beatriz Rinaldi e o Hebert Gouvea por afinidades conceituais, achei que eles tinham um interesse maior por arte contemporânea e que cada um podia me ajudar com competências que eu não tinha: a Bia, com a elaboração de conceitos e da escrita e o Hebert na parte de comunicação e divulgação. Acho que foi um ótimo grupo pra trabalhar! A partir daí não só fizemos a curadoria, como também produção, assessoria de imprensa, formação do educativo, etc... Foi tudo muito intuitivo, a gente nunca tinha feito algo parecido antes...
Comecei com uma pesquisa na internet por artistas contemporâneos de descendência japonesa, o que me levou ao site "Moyashi" (da Erika Kobayashi). De lá eu conheci o trabalho de alguns artistas que acabamos chamando pra exposição como a Mai Fujimoto e o Kako. Paralelamente, eu visitei algumas exposições com esse tema do centenário da imigração como o "Japan Pop Show" - SESC Consolação e "Japão em cada um de nós" - Banco Real, e com a Bia e o Hebert visitei as exposições sobre as quais escrevemos abaixo. Li também "Pinturas do Mundo Flutuante" da Madalena Hashimoto que me ajudou a entender conceitos como zen e wabi-sabi.
O que me incomodava era essa comemoração de um Japão importado, do origami, do sumiê, de um tipo específico de pintura, desenho ou técnica. Primeiro porque eu não via isso dialogar com a cultura dos imigrantes da minha casa, meus avós. Segundo porque eu não via essa influência no que eu fazia até então na faculdade. Conversando com a Bia e o Hebert, entendi que o que eu queria discutir é esse imigrante, nem japonês, nem brasileiro; e como esse "nem isso nem aquilo" influencia o trabalho de um artista. Será que influencia?! E aí foram aparecendo relatos muito bonitos como da Juliana Kase que me disse que o trabalho dela nada tinha de influência japonesa até o James Kudo que a família é meio inglesa, meio japonesa, meio brasileira. (Aliás, o James Kudo e o Erico Marmiroli foram essenciais pra nos apresentarem aos artistas que já conhecíamos por essas buscas na internet até artistas com os quais a gente não tinha esbarrado até então, como é o caso do Shima.)
Até hoje eu acho que a pintura do James tem essa mistura de influências e apesar do que a Juliana disse e que eu concordo, já ouvi um amigo me dizer que só mesmo uma "japonesa" pra fazer um trabalho tão minucioso com tanta paciência. Hoje eu me pergunto se isso é um estereótipo que as pessoas gostam de reforçar ou se isso está realmente latente no trabalho. Acho que também por isso optamos em colocar o Kako, que assume essa influência da cultura japonesa no traço e nos temas mas que não tem o olhinho puxado. O Taniguchi entrou na exposição pra fazer esse ruído também: japa de raiz, se é que isso existe... mas o trabalho é o que as pessoas esperam de um japonês?
Vejo que montamos uma exposição cheia de perguntas e até de armadilhas... Pra nós, pro público, pros artistas... Não sei se chegamos a uma resposta ou a algum consenso... Também não acho que era o nosso objetivo...
Por fim, pessoalmente, todas essas perguntas em aberto me levaram a produzir os "Desvios de Percurso", que acho que é uma reverberação de tudo o que eu vivi em 2008. Se não é uma resposta é pelo menos um posicionamento do que seria essa herança dos imigrantes japoneses para minha produção artística.